A história perdida do Elo Perdido
A única lembrança que eu tenho do Elo Perdido é um monte de caras cabeludos usando camiseta preta na frente do Hotel Dallas. O ano era 1995 e eu não sabia o que ~tava conte seno~ na cidade, só sabia que tinha uma “festa estranha com gente esquisita” na cidade.
Muitos anos depois, quando já existia internet e todo mundo estava no Orkut (não ria, leitor!), eu criei uma comunidade chamada “Palotina que pariu” e, de lá, surgiu a comunidade “Palotina Rock.And.Roll”* com a intenção de juntar o pessoal que gostava de rock na cidade.
Um dos tópicos da comunidade abordou o assunto do Elo Perdido e foi aí que eu descobri o que significava aquela “festa estranha com gente esquisita” lá atrás, em 1995. O mais legal de tudo: hoje eu sou esse tipo de gente esquisita que vai em festa estranha. COM ORGULHO. Pois bem... aquele tópico foi gerador de altas tretas e acusações e acabou sobrando ameaça pra mim em mensagem privada no Orkut, pedindo pra eu deletar porque se não blá blá blá. Enfim... cá estamos em 2017 e é claro que, como boa saudosista que sou, estou eu aqui resgatando essa história que sempre me fascinou, que eu nunca soube dizer o porquê - mas que hoje eu entendo.
Pra contar essa história, eu contei com a extrema gentileza da Gra Delai, cujo depoimento foi um resgate memorável de como foi construir um evento daquele tamanho naquela época e o que isso significou na Palotina de 1995. O relato da Gra é puro ouro, eu não quis perder nada do que ela me contou - e ela me contou muuuuita coisa. Para não ficar um texto extenso e facilitar a leitura e entendimento, eu separei os falas da Gra por assunto. Por fim, eu conversei com algumas pessoas de bandas que estiveram aqui e elas deram o seu ponto de vista sobre o evento, o que enriqueceu ainda mais a coleta dos dados pra resgatar essa história. Você pode ler os relatos no próximo post que a gente vai fazer. Ah, e por favor, quem esteve presente na época e viveu o Elo Perdido, sinta-se à vontade para entrar em contato AQUI e enviar o seu relato. Estamos doidos pra saber mais sobre isso.
Então, eu convido vocês pra essa viagem no tempo comigo e com a Gra. Boa leitura!
Sobre Palotina e o Rock And Roll na década de 90:
Se hoje a gente já reclama que poderia ter mais rolês de rock em Palotina, dá só uma olhada em como era a situação na cidade naquela época. Entender esse contexto é importante para conseguir visualizar a grandiosidade do que foi a ideia do Elo Perdido:
"Imagine, na década de 90 era só isso que tinha aqui. A gente andava na cidade com camiseta de banda e era olhado com cara muito feia e (estávamos) cansados disso tudo. Cansado da falta de opção que tínhamos em relação à música. Naquela época, década de 90, tinha o ATC e o Real que tinham danceterias, como a gente chamava. Essas danceterias tocavam só house, era tipo uma música eletrônica, as pessoas dançavam em passinho já pré-ensaiado e a gente ficava a noite inteira no ouvido do DJ pra ele tocar rock pra gente e muito raramente, no final da noite, quatro e pouco da manhã, ele soltava alguma coisa. No clube era comum tocar TNT, Cachorro Louco, e no Real tocava Metallica, Guns and Roses, mas sempre as mais batidas da rádio. Mas é óbvio que pra gente, né, já servia pra gente apavorar dentro daquele salão. A gente se batia, pulava, fazia aquele alvoroço e deixava o pessoal que estava do lado de cabelo em pé. Mas opção mesmo a gente não tinha de ouvir um som massa. Vieram covers pra cá. Dois covers do Raul, dois do Guns, um do Rolling Stones, teve covers do Metallica, mas, pô... em seis anos, só isso. E ir pra outras cidades pra assistir shows de outras bandas era quase impossível. Ir de ônibus era quase impossível porque não tinha, era caríssimo. A gente pegava aqueles pinga-pinga. Saíam de Guaíra e iam até Curitiba, mas iam pingando e era caro. A gente não tinha tanta facilidade de conhecer pessoas de outras cidades também, porque na década de 90 não tinha internet. Pra gente conhecer outras músicas, ia muito do nosso interesse. A gente comprava muita fita k7, nas livrarias vendia bastante". (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
"A gente aqui no interior, não tinha nem onde comprar LP de banda, cara... A gente só tinha acesso a coisas melhores quando ia pra Toledo, Cascavel, Curitiba. Camiseta de banda ou conhecer coisas novas, não tinha como. Não por aqui. Não por Palotina. Jamais". (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
Sobre o MUP - Movimento Underground de Palotina
Para entender como o Elo Perdido foi construído, é preciso conhecer o que foi o MUP:
"O MUP aconteceu meio que ocasionalmente. Éramos jovens de várias idades, quando a gente começou a mexer com o MUP eu tinha 14 anos, tinha mais uns amigos maiores de idade. Na época o Conselho Tutelar não incomodava com essas coisas, não sei nem se existia. Nos shows que tinha a gente entrava, não tinha essa história de ter que ir acompanhado ou não. Mas o pessoal mais velho do MUP tinha em torno de 21 anos. A gente tava cansado, eu digo que foi força do destino a gente se conhecer, sabe, e a gente teve o desejo de implantar o rock and roll em uma pequena cidade movida a música sertaneja e CTG". (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
"Falar dos integrantes do MUP é meio difícil porque era muita gente e eu não vou me lembrar. Eu tinha 14 anos, eu não podia sair sempre, então algumas reuniões que teve eu não fui, mas eu me lembro das irmãs do Erivelto Selva, as duas, a Eliane e a Elisângela participavam do MUP, elas tinham mais ou menos a minha idade também. A Renata, minha irmã, a Regina, a Gisele, a Andréia - as irmãs Aguiar como a gente as chamava. Acho que a Leiziane Bassoto... Tinha um menino que a gente chamava de Nani, o nome dele era Márcio, também muito envolvido. Ele mora aqui na cidade ainda, mas não sei o sobrenome dele. É muito difícil lembrar o nome das pessoas... Até porque, tinha muito mais pessoas que estavam até mais envolvidas na organização..." (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
--> Galera do MUP, por favor, identifiquem-se e deixem seus relatos pra gente enriquecer essa memória do Elo Perdido e do rock and roll na nossa cidade! CLICA AQUI pra mandar mensagem pra gente!
Construindo o Elo Perdido
Como foi possível organizar um evento destes em uma cidade do interior do Paraná, sem internet, sem celular, sem e-mail?
"De repente, não consigo me lembrar como, mas apareceu em minhas mãos um livro. As páginas pareciam ser de um material reciclável, mas era de editora e tudo. Nesse livro, eu queria muito me lembrar como ele chegou em minhas mãos... (RDVO: gente, por favor, ajudem a Gra a lembrar desse livro!!! Ele ainda existe?) Mas nesse livro tinha endereço de todas as bandas do Brasil inteiro e rádios piratas, o que a gente chamava de underground, que era de fundo de garagem, não eram registradas, que faziam som próprio, não tinham grana pra investir ou até mesmo o público não gostava porque era muita gritaria. Mas era muito death metal, heavy metal, pancadaria mesmo. (...) Tinha até o endereço da banda TNT do Rio Grande do Sul que fez sucesso por um tempo. Até constava pra gente de Palotina uma rádio pirata que nunca conseguimos sintonizar. Enfim, com esse livro, pra gente era um tesouro muito valioso". (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
"Então tinha endereço e tinha telefone de todas essas bandas e a gente começou a entrar em contato com as bandas, algumas através de cartas. Tô falando de carta que a gente vai nos Correios, sela, tudo certinho. Pois então, começamos a enviar cartas e eles começaram a enviar respostas. Eram cartas perguntando como eles tinham se juntado, qual era a finalidade, se era por brincadeira, como eles se conheciam. Daí começou a surgir uma amizade. Eu sei que, além de cartas, a gente telefonava. Vamos lembrar que em 92, 93, 94 o celular era coisa de outro mundo, a gente só via em mãos de poderosos em novelas. A gente ligava do telefone fixo, pagava interurbano, era aquela coisa. Foi muito gasto, a gente ligava e fica horas conversando. Eu me lembro de muita bronca, de telefones cadeados na minha casa porque a gente gastava pra caramba com telefone e tudo em função de conversar com essas bandas e conseguir organizar alguma coisa. Tinha um menino, não sei que fim ele levou, ele inclusive era o principal organizador de tudo, o nome dele era Edson Naval. Foi ele que conseguiu o lugar pra gente realizar o nosso “Woodstock” (risos)". (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
"O Edson Naval era mais velho e tinha uns conhecidos na prefeitura. Não sei se quando ele conseguiu isso (o estádio), essas pessoas tinham noção da grandiosidade do que era aquilo pra nós ou da grande preocupação das pessoas quando se falava na venda de ingressos. Estava havendo um surto de dengue aqui também e o show ia começar cedo, mais ou menos nesse horário (18 horas) a gente já ia pra fila do estádio". (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
"Geralmente, quando a gente enviava as primeiras cartas pras bandas, logo entrando em contato, a gente já se identificava como MUP e já pedíamos se pudéssemos nos responder, que mandassem fitas demo com os sons deles. A gente começou a receber essas músicas e começou a fazer uma seleção de quem tinha sido mais simpáticos conosco. Por que tinha aquelas que tinham interesse, que queriam ganhar, que não queriam vir ou tinham outras dificuldades. Mas o que chegou nas nossas mãos foi bem mais do que demos de 44 bandas". (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
O Elo Perdido
Essa é a parte do depoimento da Gra que eu mais gosto. É quando a gente percebe, tanto na voz quanto pelas palavras e expressões escolhidas por ela, a grandiosidade do evento pra época e para o pessoal do MUP:
"A gente sonhou... a gente sonhou muito alto e a gente não acreditou que a coisa deu certo. Foi talvez um pouco menos de um ano, 44 bandas que a gente conseguiu contatar. Teve barraca que vendia camiseta, barraca que colocava piercing. Tinha acampamento ali dentro do estágio municipal de Palotina. Sabem onde eu tô falando? Lá do lado do Detran, naquele bequinho silencioso. Agora você imagina numa noite uma banda tocando, na outra noite outra banda tocando. 4 noites, 11 bandas, em uma cidade que sempre foi movida a sertanejo e CTG, de repente a cidade ficou preta. Preta, Lu, cheia de cabeludo. Só tinha aquele mais mal-encarados cheios de tatuagens, piercings, barbudos, de todas as espécies de toda a região. A gente tinha cartazes espalhados e pessoas, amigos nossos de Iporã, amigos nossos de Umuarama, aliás, meninos que a gente tem contato até hoje, que deram muita força pra gente com divulgação nas cidades vizinhas... Assis Chateaubriand, Cascavel. Eles ajudaram a gente a vender ingressos, sem interesse nenhum, sem vantagem nenhuma, não ganhavam nada com isso. Da mesma maneira que nós também que estávamos envolvidos no MUP não ganhamos nada, nem a entrada: cada um pagou a sua. Foi uma loucura. Eram filas enormes na cidade, não tinha mais lugar pra estacionar naquele beco. Claro que além de barraca de camping, tinha barraca de cachorro quente, tinha barraca de bebida, o palco dos shows e aquele gramado enorme que era inteiro nosso sem NADA de segurança lá dentro, sem problema com Conselho Tutelar, sei lá mano se eles já existiam naquela época. A gente sonhou alto e a gente conseguiu o estádio municipal e Palotina, em 1995, foi palco do maior evento de rock que a nossa região já tinha visto. Nada desse porte tinha acontecido aqui. Foi 4 noites de rock, rock de todos os tipos. Quanto maior a gritaria no som, melhor era. O que a gente queria não era mostrar que quem gostava de rock era de boa, era sossegado. A gente queria mostrar a que a gente veio, a gente queria botar pra quebrar, mostrar pro mundo que a gente existia e a gente estava conseguindo com aquele evento. A gente conseguiu, foi muito tempo que só se falou naquilo. Ninguém acreditava, ninguém botava fé. A gente era bem jovem, a gente queria mostrar pra Palotina que o rock and roll é massa pra caralho e que a gente existia. Que sim, a gente podia fazer o que a gente quisesse e que aquilo não fazia mal a ninguém". (DELAI, Gracieli, fev 2017. Depoimento concedido à Luciana Alves Bonfim via Facebook.)
Os problemas
Entretanto, nem tudo foi maravilhoso, como a própria Gra lembra. Ela contou que deu furo nesse evento e muitas bandas não vieram. Aparentemente, um dos organizadores sumiu no último dia com o dinheiro para pagar as bandas que ainda estavam na cidade, o que é corroborado pelo depoimento de dois músicos que participaram do Elo. Foi por esse motivo que, segundo a Gra, não teve show na última noite. Foi necessário alocar integrantes de bandas pra dormir nas casas de amigos e fazer vaquinha para que os caras pudessem voltar pra cidade deles. Esse episódio realmente foi mencionado na comunidade do Orkut, Palotina Rock.And.Roll, e, como eu disse lá no começo do post, gerou tretas - e é por isso que eu não vou mencioná-la aqui. A pessoa se defendeu, dizendo que o que aconteceu foi que o responsável pelo som foi embora e deixou todo mundo na mão. Outras pessoas com quem eu conversei afirmam que o cara do som foi embora por falta de pagamento. O fato é que houve muita cobrança em cima do MUP por conta disso. A Gra conta que as pessoas queriam reembolso dos ingressos e as bandas precisavam receber para conseguir voltar para casa!
O cartaz de divulgação do Elo Perdido:
(Imagem gentilmente cedida pelo Edson, do The Power of Bira)
O line up do Elo Perdido:
(Imagem gentilmente cedida pelo Edson, do The Power of Bira)
Crachá de integrante de uma banda do Elo Perdido:
(Imagem gentilmente cedida pelo Edson, do The Power of Bira)
* aguardem, porque eu sou a louca saudosista, salvei os registros do Orkut antes de eles sumirem com tudo e tem umas coisas muito legais recuperadas de lá que eu vou postar aqui assim que eu puder, até para continuar registrado.
