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As mulheres e o rock'n'roll


Não podíamos deixar uma data como essa passar em branco aqui na Rock do Velho Oeste. O Dia Internacional da Mulher precisa ir além das parabenizações, flores, lembranças... Especificamente em relação à cena rock, é legal a gente parar pra refletir sobre o que é ser mulher nessa cena. A gente conversou com algumas meninas do rock and roll de Palotina e região.


Conheci a Helô Lettrari no colégio - eu, professora, ela, aluna. Já era perceptível que ali corria rock'n'roll nas veias. Ela tem um blog, sobre o qual a gente já falou AQUI. A Helo caminha com fluência pela cena rock de Cascavel, é frequentadora do Hooligans e conhece pessoalmente muitas das bandas que já tocaram lá.


A Ana Detsch, também conhecida por Aninha, é empresária junto com o Emanuel Fernandes, que todo mundo conhece como Manu. Conheço ela desde pequena e a atitude rock'n'roll sempre foi visível nas roupas, maquiagem e amigos que a Aninha teve.


A Lala Celant é tatuadora e professora de filosofia. Sempre que penso nela, penso na palavra "alternativo", porque a Lala sempre se destacou por atitudes fora do padrão. E o que é rock'n'roll se não a recusa por se encaixar nos padrões, né non?


A Elaine eu conheci na Unioeste. Eu, em Letras, ela, em História. A primeira vez que ouvi a Elaine cantar foi, provavelmente, em uma manifestação do DCE. QUE VOZ, senhoras e senhores. QUE VOZ. Lembro de uma apresentação dela no palco cultural em uma Expo Rondon... não sei dizer, só sentir o que foi ouvir ela cantando rock'n'roll naquela noite.


Agradeço a todas elas por toparem expor sua opinião e seus sentimentos em relação ao rock'n'nroll. Adorei falar com todas vocês!


Dá só uma olhada no que essa mulherada poderosa têm pra contar pra gente:


Heloisa Lettrari - Helô (Palotina)

"Oi Lu, leitores. Primeiramente, cresci ouvindo Beatles, Eagles, Queen, Joe Cocker, entre outros mil clássicos. Nos anos 2000, conheci muitas bandas de rock que me despertaram totalmente para esse universo. O que eu vejo hoje em dia é que, independentemente do seu passado, do quanto você já ouviu e ouve, muita gente ainda te trata com "desrespeito" não levando sua opinião em consideração. Porém, claro que há aquela parcela que leva e pede sua opinião, que geralmente não é o lado do público e sim o lado do músico/musicista (e sinceramente, essa é a que mais tem importado, pois você faz diferença para aqueles que fazem a música acontecer). Segundo, é preciso falar sobre representatividade, aos poucos as mulheres vêm ganhando mais espaço, seja fazendo acontecer (Joan Jett, Halestorm, The Pretty Reckless, Far From Alaska, Montauk), seja dando apoio, opinião, etc, mas ainda sim, continua um espaço restrito, em que muitos vêem com vistas grossas e preconceitos. Muitas vezes, pessoas vêem mulheres que gostam do estilo como groupies ou tietes, mas não levam em conta a real paixão de cada uma pelo rock. O rock tá aí, vivo e pulsante, mas as pessoas precisam se unir mais, tratando a todos com igualdade, seja pela vertente do rock que ouve, ou pelo sexo que representa."

(Foto: Facebook)

Ana Paula Detsch - Aninha (Palotina)

"Cresci em uma família com essa pegada mais rock'n'roll e, desde criança, aprendi a gostar de Raul, AC/DC e Bruce Springsteen. Mas eu não consigo lembrar de muitas mulheres roqueiras que tenham influenciado minha infância. Posso citar Rita Lee, por exemplo, que sempre foi a grande paixão musical da minha mãe. Mas é uma das poucas que tiveram participação significativa nessa fase da minha vida. Depois veio a Pitty, lembro até hoje a primeira vez que escutei uma música dela, meu primo que me mostrou, era Admirável Chip Novo. Com o tempo, fui buscando mais e mais referências femininas no rock. A gente se surpreende com a quantidade de mulher talentosa que quase não tem espaço. No rock sempre existiu aquele falso conceito de igualdade. Quando eu era adolescente, eu acreditava que só no rock n roll não existia diferença entre os sexos, que a mulheres eram mais livres e mais respeitadas. Mas a igualdade de gênero é quase uma lenda urbana, todo mundo ouviu falar, mas ver que é bom ninguém vê. Depois de amadurecer um pouco e melhorar meu senso crítico, percebi que no rock a igualdade e o respeito não são assim tão grandes. Não que a gente não seja respeitada, mas a gente ainda é classificada em pra casar, pra curtir, aquela que se dá o respeito... Acho que muitas vezes a desigualdade está tão camuflada que é difícil de perceber. Com o tempo conseguimos conquistar muitas coisas, mas a nossa luta é eterna. Mesmo que consigamos conquistar a igualdade, temos que estar sempre alertas, porque ela pode nos ser tirada rapidinho. Mas é preciso sempre lembrar: igualdade, não superioridade. Um passo importante que temos dado é parar de nos atacar para chamar a atenção dos homens, parar de negar nossa situação só para fingir que é a menina mais cool da galera. Temos que assumir: enfrentamos muito problemas, mas vamos enfrentar juntas, unidas, Temos que cuidar umas das outras."

(Foto: Facebook)


Laís Celant - Lala (Palotina)

"Quando criança, tive uma influência fortíssima sobre gênero musical dentro de casa. Meu tio Márcio Celant era fã de heavy metal e com meus nove anos eu já era presenteada com cd's que ele trazia de SP pra mim. Cresci amando o que meus pais já detestavam, e essa expressão subversiva influenciou diretamente na formação da minha personalidade. Na adolescência, sempre fui muito comunicativa com todas as "tribos", mas era sempre no meio dos meninos (e com as poucas meninas) em que eu estava metida. Justamente porque o Rock era um elo que nos unia, o que melhor tínhamos em comum para andar junto na escola, trocar ideias e dar os roles. Por Palotina ser uma cidade conservadora e predominantemente sertaneja, a galera do Rock sempre foi muito reduzida e todos se conheciam, com isso a minha amizade perdurou com a maioria dessa galera (homens e mulheres). Atualmente, existem até mais meninas que curtem o gênero, mas ainda falta. Sobretudo cantoras, guitarristas, bateristas, etc., mandando um som do caralho. Bandas formadas exclusivamente por mulheres, isso falta muito por aqui e eu adoraria ver. Nunca senti um preconceito direto por curtir um Rock n' roll mas sempre ouvi comentários do tipo : 'aquela menina estranha'. Talvez fosse para soar negativo mas sinceramente me sinto lisonjeada, porque ser normal é muito chato rsrs. E pra tristeza da minha mãe (na verdade ela nem liga mais pra isso e aprendeu a me amar e me respeitar do jeito que sou ) não foi uma fase kkkk! É essência, é amor, é bem estar. Vida longa ao rock n'roll, e um salve para todas as mulheres de luta. Que possamos seguir firmes, dia após dia, para conquistar NOSSO espaço e respeito nessa sociedade machista. SORORIDADE E IGUALDADE, sempre e para sempre."

(Foto: Facebook).



Elaine Cristina (Toledo/Marechal Cândido Rondon):

"Eu comecei a tocar desde adolescente e eu tive dificuldades como todo mundo teve pra aprender e pra tocar. A minha primeira banda foi dentro da igreja e até aí eu não tive muita resistência. Quando eu decidi tocar fora, aí eu encontrei resistência sim. Eu mudei pra Cascavel, sempre com uma paixão muito grande pelo rock'n'roll, metal, na época, mais jovem, eu curtia muito metal e vi o anúncio de uma banda que queria um baixista e como eu já tinha essa experiência como baixista, aí eu entrei em contato. O menino pediu se eu tocava baixo, há quanto tempo eu tocava e se eu já tinha experiência. No dia do teste, eu treinei tanto de ficar com bolha nos dedos. Ele também me pediu se eu falava inglês e se eu compunha, que eram os requisitos pra entrar na banda: não bastava ser baixista, os outros meninos que estavam na banda só tocavam mesmo, pra eu entrar nessa banda, eu tinha que tocar, tinha que já ter tido experiência com banda, tinha que falar inglês, tinha que cantar e tinha que compor também. Foi meu primeiro obstáculo. Eu fui, meti a cara e fiz e ele me passou músicas dificílimas, Angra, Rhapsody of Fire, umas coisas que eram muito difíceis de tocar. Eu fui, tirei tudo, passei e entrei na banda. Toquei nessa banda por três anos, fizemos gravações e depois disso, parei com a música e fui trabalhar com outra coisa. Na verdade, isso não era um trabalho, era um hobby, a gente não recebia pra tocar nessa banda. Quando me mudei pra Toledo, arrumei um emprego lá, meu contrato venceu e eu distribuí currículo por toda a cidade mas ninguém sequer te dava um retorno, era muito pelo "quem indica". Então, como eu não tinha outra alternativa, eu resolvi montar um repertório e tentar barzinho. O primeiro barzinho que eu fui, que foi a Cachaçaria Água Doce lá em Toledo, eu fui porque uma amiga minha que tocava lá, me indicou. Como ela me indicou e ela foi comigo lá falar com o dono da cachaçaria, ele aceitou numa boa, foi bem aberto. Mas os outros lugares que eu queria tocar, por exemplo, a primeira impressão quando eu dizia que eu tocava era que os caras já torciam o nariz. Aconteceu lá em uma lanchonete em frente ao lago: o cara olhou pra minha cara tipo "Ah, cê toca, então,...." Eu respondi que sim e ele disse que pra saber se eu tocava, eu tinha que dar uma palhinha. Então o pessoal duvida muito do trabalho da mulher, principalmente se fala que toca rock'n'roll: "ah, cê toca rock'n'roll, mas que estilo? que tipo?" Então o pessoal tem muito essa resistência, eu sofri muita resistência por esse lado que é o lado do ter que mostrar o trabalho. Pior não foi esse trabalho no bar... pior era quando te chamavam pra tocar, isso acontecia muito em Cascavel, o pessoal chamava pra tocar, você levava o seu trabalho e eles queriam que você tocasse de graça na primeira vez... "se for bom, a gente paga na segunda". Isso pra mim era uma coisa que era uma ofensa, e é até hoje. A maior barreira que eu enfrento em Marechal é por parte dos outros músicos mesmo. Às vezes eles não querem ter competição no trabalho, a minha área é muito restrita, tem poucos músicos que fazem rock'n'roll. Ou eles te procuram quando eles precisam, porque furou data, porque precisa que alguém cubra alguma data pra eles, mas se não for assim, eles não te chamam. Em relação a assédios, isso é uma coisa muito comum pra uma mulher que toca na noite. Eu já tive casos de pessoas que pagam bebida, isso eu nem levava como assédio, era mais diversão mesmo. Mas já teve casos sim de pessoas chegarem "chegando",de querer passar a mão, de empurrar você, principalmente da parte das mulheres, é onde a gente mais tem resistência. Elas encaram parecendo que querem te matar, porque os meninos cantam junto... As mulheres encaram você ou porque o marido dela tá cantando as músicas que você tá cantando, ou porque o cara que ela tá junto pede uma música. Algumas vêm na onda, conversam, a gente cria uma amizade legal. Tem umas que fecham a cara. Uma vez, quando eu desci do palco, o namorado veio me cumprimentar e a menina bateu a mão no meu peito e me empurrou pra não eu não cumprimentar o namorado dela. Na parte do assédio masculino, é pouco se comparado a isso. Mas esses problemas nós vamos encontrar por toda a vida. A resistência não tá em um lado só, esse problema do ciúme ou a falta de compreensão do trabalho da gente. Hoje isso já mudou bastante. As pessoas me procuram pra fazer os bares, não como eu fazia antes. Já cansei de dormir em rodoviária com o violão nas costas, ia tocar em outra cidade, não tinha carro ainda, acabava muito tarde, o dono do bar não pagava hospedagem, tinha que ficar na rodoviária, tomava chuva. É um trabalho que foi sofrido, é sofrido até hoje, mas já mudou bastante". (Foto: Facebook)



E você, Luciana? Que que você pode dizer sobre ser mulher e gostar de rock'n'roll? Bom, vamos lá...


Realmente, tem muita coisa mudando - e pra melhor. Por exemplo: a gente vê muita menina fazendo aula de violão/guitarra. A gente vê muita menina em festa de rock. A gente vê meninas corajosas entrando em roda de pogo/punk - e sendo respeitadas. A gente vê tudo isso. A gente não vê tanta menina sendo assediada em festa de rock como a gente vê nas ruas e em outros tipos de festa. Pelo menos em Palotina.


Mas dá pra continuar melhorando. Como? Em primeiro lugar, eu corroboro a fala da Ana e da Helô: tem que ter mais representatividade. Seria lindo ver mulheres em um palco de rock'n'roll em Palotina. O que acontece que a gente não vê? Falta oportunidade? Falta incentivo? Falta o cara olhar pra menina e pensar que ela pode ser a guitarrista/baixista/baterista da sua banda - e não, necessariamente, um cara? Em segundo lugar, assino embaixo do que a Helô disse sobre da falta de respeito e do desprezo de algumas pessoas em relação a uma mulher ouvir e opinar sobre rock. Já me senti ignorada em algumas conversas por músicos e fãs de rock homens - mas essas pessoas não fazem parte da minha vida. Felizmente, os músicos da minha vida e os amigos que eu tenho gostam de trocar uma ideia comigo sobre música/rock. Nem sempre a gente concorda, claro, mas a base da conversa é sempre o respeito. Em último lugar, eu fico muito desolada quando leio relatos como os da Elaine sobre mulheres que competem com outras mulheres. Quanto mais SORORIDADE, melhor. Eu gostaria de chamar a fala da Aninha pra fechar a minha: "Temos que cuidar umas das outras".


E vocês, mulherada do rock? Já passaram por alguma situação de preconceito na cena rock? Concordam com as meninas? Existe falta de representatividade na cena? Marque aquela sua amiga que vai no Rock do Pelin com você esse sábado e vamos conversar nos comentários (e no rockão do pesque pague), suas lindas! *_*





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